DIA DAS MÃES

domingo, 3 de outubro de 2010

MARANHÃO SOBRINHO


(1879-1915)


Fundador com Antonio Lobo, I. Xavier de Carvalho e Corrêa de Araújo, entre outros, do movimento de renovação literária denominado Os Novos Atenienses, que em fins do século XIX e início do século XX sacudiu o meio intelectual de São Luís com idéias e conceitos vanguardistas, Maranhão Sobrinho foi o mais singular poeta de sua geração.

Boêmio, por vezes até mesmo desbragadamente ébrio, José Américo Augusto Olimpio Cavalcanti dos Albuquerques Maranhão Sobrinho* nasceu em Barra do Corda, interior do Estado, em 25 de dezembro de 1879, e morreu ainda jovem, em Manaus, no mesmo dia em que completava 36 anos. Nesse breve espaço de tempo, encarnou como poucos a figura trágica do poeta dominado por suas angústias existenciais - viveu rápido e intensamente: suas dores, reais ou imaginadas, lançaram-no na sôfrega busca pelo prazer e no caminho da autodestruição.

Mas se ele era essa espécie de romântico trágico na vida pessoal, sua poesia está em outro patamar. Simbolista ortodoxo, foi um visionário capaz de construir imagens perturbadoras em versos admiravelmente bem urdidos, sensualmente mórbidos, onde por trás de cada palavra flutua, não muito distante, a imensa sombra de um amargo pessimismo com o mundo e com as pessoas.

Sem dispor de recursos financeiros, publicou seus trabalhos com grande dificuldade. Foram ao todo três livros editados de modo bastante precário, com circulação restrita à província. Além disso, apenas colaborações esparsas, ainda que numerosas, em revistas e jornais de São Luís. Muito embora sua obra ainda não tenha sido objeto de um estudo mais aprofundado, a crítica nela destaca uma bem assimilada influência de Baudelaire e Verlaine, considerando-o ao mesmo tempo um dos luminares do movimento simbolista no Brasil - quase no mesmo nível ocupado por Cruz e Souza e Alfonsus Guimaraes, expoentes máximos da escola.

De qualquer sorte, coube a Maranhão Sobrinho ser um poeta representativo do período de transição da literatura maranhense - teve o talento amplamente reconhecido, tanto pelo público quanto por seus pares, foi um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras, mas sofreu estilisticamente na difícil tarefa de buscar uma síntese convincente entre o Romantismo ainda em voga, o Parnasianismo e o Simbolismo. Reflexos dessa luta estéril são visíveis em seus poemas. Houvesse vivido mais alguns anos, talvez sua obra conseguisse escapar dessa
armadilha literária, atingindo novas e inesperadas dimensões.

Ainda assim, figura em destaque no Panteon dos poetas maranhenses de todos os tempos.

*NR - ou apenas de Albuquerque, como preferem outros biógrafos.

Obra poética: Papéis Velhos... Roídos pela Traça do Símbolo (1908);Estatuetas (1909); Vitórias-Régias (1911).


                   SOROR TERESA

                   ... E um dia as monjas foram dar com ela
                   morta, da cor de um sonho de noivado,
                   no silêncio cristão da estreita cela,
                   lábios nos lábios de um Crucificado...

                   somente a luz de uma piedosa vela
                   ungia, como um óleo derramado,
                   o aposento tristíssimo de aquela
                   que morrera num sonho, sem pecado...

                   Todo o mosteiro encheu-se de tristeza,
                   e ninguém soube de que dor escrava
                   morrera a divinal soror Teresa...

                   Não creio que, de amor, a morte venha,
                   mas, sei que a vida da soror boiava
                   dentro dos olhos do Senhor da Penha...

                                               Papéis Velhos... Roídos  pela Traça do Símbolo, 1908


TELA DO NORTE

                   No estirão, percutindo os chifres, a boiada
                   monótona desliza; ondulando, a poeira,
                   em fulvas espirais, cobre toda a chapada
                   em cujos poentes o sol põe uns tons de fogueira.

                   Baba de sede e muge a leva; triturada
                   sob as patas dos bois a relva toda cheira! 
                   Boiando, corta o ar a mórbida toada
                   do guia que, de pé, palmilha à cabeceira...

                   Nos flancos da boiada, aos recurvos galões
                   as éguas, vão tocando a reses fugitivas
                   o vaqueiros, com o sol nas pontas dos ferrões...

                   E, do gado o tropel, com as asas derreadas
                   quase riscando o chão, que o sol calcina, esquivas,
                   arrancam coleando as emas assustadas...

                                        Estatuetas, 1909

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